27/03/2013

Cabeça de Ferro.


1.Em fevereiro, tem carnaval.

Era fevereiro.
Estava decidido para ele, iria fugir. Iria se isolar.

Decidiu abraçar sua solitude.

A situação naquele colégio havia piorado a esse ponto, ao ponto de isolamento. Ele sofria por conta das pessoas ao seu redor, e as pessoas sofriam com seu sofrimento.

Não por pena, mas por medo dele.

Medo dos atos agressivos que ele havia adquirido nas ultima semanas. E pensar que isso tinha começado com o simples fato de quebrar uma caneta e acabará de adquirir níveis alarmantes.

Ele entra no ônibus, pega o cartão no bolso do moletom azul e aproxima do sensor de cartões. O sensor lhe responde com uma voz feminina e robótica
  - Estudante.
Ele passa pela catraca, percorrer o corredor e se senta em um dos bancos do fundo do ônibus, ao lado da janela. Olha para o piso de um tipo de ferro que mais parece plástico do que propriamente ferro, olha e observa os padrões de traços. Olha todos em um conjunto. Se curva para ver os do corredor e percebe a beleza singela daquela arte oculta e não intencional.

 Olhando para a paisagem em movimento pela janela começa a devanear sobre o seu projeto de solitude. Como era sexta-feira, iria começar pelo fim de semana, e depois a semana, e depois a outra semana, e a outra. Na terceira semana, ele deduz, o diretor irá ligar para ele perguntando o que aconteceu e ele simplesmente vai desligar na cara dele, sem nem ao menos responder e lá pela terça-feira da quarta semana o diretor vai aparecer para uma visita. E ai ele vai se explicar e o diretor talvez entenda, ou talvez não, ele não tem muita certeza sobre isso. Pensa em como começar tudo, sabe que assim que chegar em casa vai deletar todos seus amigos e parentes das redes sociais e que só três ou quatro sabem onde ele mora mas não iram visitá-lo por medo, e talvez respeito. 
  Pensa também na situação que havia se metido, que havia criado, mesmo sem querer, por impulso, por momentaneidade.  Como tudo havia começado, ele se lembra e começa a organizar as ideias. 
 Como foi que tudo começou afinal?


 2.Sobre sua nova foto no perfil que é bastante feia e com um efeito que faria qualquer designer ou fotografo ter um ataque epiléptico.



   Era terça e Camila chorava em um canto da sala. Fora perguntar o porquê do choro e ela simplesmente o mandou ir à merda. Camila era sua melhor amiga e estava tendo mais uma daquelas crises de temperamento que ele tanto odeia e ama nela. Odeia por que sempre vinha  na hora errada, no lugar errado. Amava por que sempre vinha na hora certa, no lugar certo. Tentou mais uma vez se aproximar dela, acalmá-la, mas ela acabará se revoltando e gritando com ele. Não suportou o desaforo. Pegou uma caneta, a levantou no ar como se fosse apunhalá-la na cabeça e chamou por seu nome mais uma vez.

- Ô Camila...

Quando ela levantou a cabeça com uma expressão de fúria, com a boca já aberta pronta para gritar e os olhos fechados em uma expressão de raiva ele desceu com toda a velocidade a caneta em direção a cabeça dela, sua expressão de raiva de desfez como fumaça e se tornou em uma expressão de pânico e medo. Faltando poucos centímetros para alcançar a sua cabeça ele quebra a ponta da caneta com o polegar fazendo-a voar longe. Camila tremia amedrontada. Ele chega bem perto dela, se curvando, quase beijando-a e fala murmurando:

-  Nunca mais faça isso... me ouviu bem? Nunca mais faça isso comigo.
Ela se estremece e se arrepia. Ele simplesmente fica em posição normal e vai embora.
 Depois daquele dia, Camila não teve mais sequer uma mudança brusca de humor, o trauma havia fortalecido ela. E desde então também, nunca mais tratará ele mal, nem sequer falava mais com ele. Talvez isso tenha sido um dos agravantes já que ele também não foi atrás dela se desculpar.
 Me desculpar de quê? Já tava cansado dela e esses chororô chatos delas e sem motivos. – Pensou ele.
3. Pare de me procurar já que você é um ignorante agora.


  Uma semana depois tudo havia chegado a um estado critico. Ele havia simplesmente surtado sem mais nem menos. Nem ele mesmo pôde entender o porquê daquilo. Quantas pessoas havia xingado? Quantas pessoas haviam esmurrado? Quantos sentimentos foram partidos? Quantas lagrimas foram derramadas, por eles e por ele? Tentou falar com a Camila, já desesperado com os fatos e ela simplesmente disse:

 “Pare de me procurar já que você é um ignorante agora. Um troglodita. O que foi que eu te fiz? Nada. Pare!! ”

 E foi isso. Ai veio o ápice.

Hoje, ele acordou bem cedo, não por que já estivesse pronto para ir ao colégio, mas por que havia tido um sonho terrível. Sonhará que ia para o colégio e não havia ninguém. Tudo vazio: O pátio, os banheiros, a coordenação, as salas de aula. Pensou que poderia ter ido para escola em um feriado, mas ai se tocou que não se lembrava de como havia chegado ali. De repente o sinal toca. 

 O chão estremece e uma cratera surge. Ele mal consegue se mexer e cai lá dentro. Ao cair, o quanto mais se aproximava do chão, mas frio na barriga ele sentia e então quando finalmente chegou ao chão acordou de um pulo na cama. 

 Estava bastante suado. Sua testa ensopada de suor.
Se levantou e foi até o banheiro. Era madrugada ainda.
 Olhou para sua imagem no espelho. Seu rosto ensopado, o cabelo, grande, caindo no seu rosto, atrapalhando sua visão, os lábios trêmulos. Pega uma tesoura que fica sempre perto dos remédios na prateleira e corta o excesso de cabelo. Se olhando fixamente para o reflexo no espelho de forma apática. Cada corte, uma parte de si se vai. Por fim, ele lava o cabelo na pia e vê o resultado. Nada mal, ele pensa.
Vai até a cozinha, toma um copo de leite e volta a dormir.
Pela manhã vai para o colégio.
E é ai que temos o ato de ápice.
A aula já havia começado.
Quando chega, a sala começa a vaiá-lo.
Ele não entende.
Olha em volta tentando procurar abrigo em algum olhar. Mas abrigo não acha.
Nem em Camila.
Então ele explode.
Apagou por um momento e quando acorda está duro no chão, com uma roda de pessoas a sua volta. Sente uma enorme dor no nariz. Leva a mão até lá e sente algo liquido. Sangue.
 Ele se levanta, doído, e olha em volta. A roda se abre e ele vê três ou quatro pessoas no canto da sala caídas no chão, gemendo de dor. Ele entende tudo assim que vê eles.
 Eles e Camila, no canto da roda, com um olhar choroso.
 Um olhar que diz:
Olha só o monstro que você se tornou.
 O professor de geografia, um cara já de meia idade gordo e calvo, o olha com uma mistura confusa de raiva e medo. Ele entende a mensagem, e sai correndo pela porta.

3.Isso é tudo, pessoal.
Então, no ônibus, ele decide que deve ir. 

E jamais voltar.

Pelo seu bem. Pelo bem de todos.

Seu temperamento o havia transformado em um touro indomável.

Nunca se sabia quando ele iria atacar novamente.

Desce na sua parada típica e caminha até em casa. Ao chegar lá, faz o que havia planejado: Deleta as redes sociais, queima tudo que o faça lembrar de alguém, arrumar uma mochila com algumas roupas, toma uma ducha fria e se prepara.

Era isso.
Sua mãe não estava em casa. Ele deixa um recado na geladeira.
 Vou partir, mas volto logo, não se preocupe.
Voltaria para se entender com o diretor depois.
Iria para seu retiro espiritual. Quem sabe uma, talvez duas semanas.
Pega a mochila, veste o casaco e parte.
Sem destino.